segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Quanto vale a vista que se tem em Lisboa

Lisboa

A escalada imobiliária catapultou a zona histórica da cidade das sete colinas para os tops mundiais. Rio faz disparar os preços.


Quem visita os miradouros de Lisboa fica espantado com a vista que a cidade oferece. A paisagem é fácil na capital construída sobre sete colinas, de frente para o rio. Mas quem a escolhe como morada encara outra realidade. A escalada do imobiliário tornou esse privilégio num bem demasiado caro e quem quer uma casa com vista paga preços que rondam os das grandes capitais europeias.
Rui Figueiredo, presidente da Associação Portuguesa de Avaliadores Imobiliários, explica que "a vista, além da área, conservação, idade e localização, é uma das mais importantes variáveis explicativas de valor de um imóvel" e, curiosamente, são os homens que mais a apreciam. "A primeira coisa que se lembram de mostrar a uma visita é a bela vista que têm em sua casa. E Lisboa exerce um enorme fascínio, pois aí a vista está também ligada à nossa história".
O geógrafo João Seixas vai mais longe e garante mesmo que "se o direito à paisagem é um dos direitos da cidade, Lisboa tem uma das mais belas paisagens do Mundo. É um cliché, mas é verdade". A mesma opinião é corroborada pelos utilizadores do site de turismo Trivago, que classificaram a vista do Bairro Alto Hotel como a quarta melhor do Globo.

VALOR DA TRADIÇÃO
Mas a paisagem não tem sempre o mesmo valor. E se para muitos "arquitectos a vista da cidade é semelhante a um quadro pintado, o que a generalidade das pessoas aprecia é mesmo o rio. Uma frente para o Tejo pode aumentar o valor do imóvel 30 a 40%", adianta Rui Figueiredo, que assinala "outras variáveis, como história, cultura e estatuto. Além do Restelo e da Lapa, em Lisboa há, actualmente, uma elevada valorização da Baixa/Chiado. A rua Garrett, cujas fracções superiores têm vista, é a mais cara".
Segundo este especialista, um imóvel novo de três assoalhadas na zona pode vender-se a seis mil euros o m2, ou seja, se tiver 100 m2 custará 600 mil euros. Se for antigo, a precisar de muitas obras, vender-se-á a 2,5 mil euros o m2. "O resto é especulação", nota.
Assim se explica que no Chiado, um imóvel de três andares no largo de São Carlos, de cuja janela apenas se espreita o Tejo, tenha sido colocado à venda com um valor-base de três milhões de euros. No Parque das Nações, apesar da vista frontal de rio, o preço cai para metade. É que no Chiado, à paisagem soma-se a tradição e a história. Ali estão a casa onde nasceu o poeta Fernando Pessoa e também um condomínio novo, assinado por Siza Vieira, em cujo jardim se guardam restos da muralha fernandina. 

CASAS PARA ESTRANGEIROS
Mesmo em época de crise, as casas com vista e em zona histórica têm procura. "São sobretudo estrangeiros com poder de compra, muitos do Norte da Europa, que fogem aos impostos dos países de origem e ficam fascinados com a luz da cidade", explica um agente imobiliário, que vendeu recentemente uma casa com igual vista à do miradouro de Santa Catarina por 2,5 milhões de euros. "Era um imóvel enorme, recuperado, apesar de estar numa zona histórica que ainda precisa de ser reabilitada".
Foi também para usufruir de vista frontal de rio que Maria Gomes, 42 anos, trocou uma habitação espaçosa por um quarto andar sem elevador na zona ribeirinha da cidade. As janelas têm frente para o Tejo e nem os cem anos que marcam a escadaria e o chão de tábua corrida afectam a nova proprietária. "Tenho uma sala cheia de sol e, à noite, as luzes parecem um enfeite. É muito bonito. Foi por essa razão que comprei esta casa", garante, sem se importar de ter pago 200 mil euros por um T1 renovado numa rua que ainda precisa de iluminação.
João Seixas refere que "a vista é um elemento cada vez mais valorizado numa sociedade que depende de padrões sócio-culturais. É óbvio que se valorizem as vistas, pois desde sempre, na estratificação social, eram as classes ricas que tinham as suas habitações em locais com boas vistas. E a sociedade tende a valorizar-se seguindo aquilo que as classes altas procuram".
As vistas de Lisboa são um dos capitais da cidade, "reconhecido a nível sociológico e também das políticas públicas", explica. "O chamado Sistema de Vistas existe no plano director municipal de Lisboa, de 1994, e está também previsto na sua revisão. Por lei, não pode haver excessiva construção imobiliária em zonas de vista, sendo valorizadas as de rio e de miradouros", frisa. A estas paisagens o geógrafo reclama a agregação de "vistas de bulevar, avenidas e verde, que não estão regulamentadas e urge defender. Lisboa também é Benfica e Penha de França e Almada e Barreiro".

BAIRRO FAMILIAR
É num bairro familiar de Lisboa, onde poucos carros desafiam as ruas estreitas, que Paulo Pimentel, 47 anos, técnico de pianos, usufrui de vista e tradição. Desde há seis anos que, com a mulher e o filho, habita a casa na Penha de França, desenhada pelo bisavô, o arquitecto Raul Lino, e construída em 1939, como habitação de família. "Ainda mantém a traça e o interior originais", explica sobre o imóvel onde residem também, em fracções distintas, um irmão e uma prima.
Da sala do segundo andar, inicialmente projectada como varanda e fechada pelo autor logo após o primeiro vendaval de Inverno, avista-se metade da cidade – com um mar de telhados vermelhos – a ponte, a silhueta da estátua do Cristo-Rei e um fio de rio. "Viver aqui é outro mundo. Agora acho uma casa normal, mas quando mudei tudo me parecia fantástico. Acabamos por passar mais tempo nesta varanda transformada em sala, porque tem um ambiente deveras acolhedor. Todos os amigos que nos visitam ficam maravilhados. Há dias em que o pôr-do-sol é de cortar a respiração. Mas as tempestades também são inspiradoras", descreve.
Meio milhão de euros é quanto vale aquela fracção. "Já esteve à venda. Felizmente acabou por não se efectuar devido à falta de uma garagem. Foi uma sorte manter a casa na família".
A decisão de trocar paisagem por um lugar para o carro é justificada – a valorização das vistas como elemento de conforto é recente. "De uma forma genérica, é desde os últimos 20 anos que os valores simbólicos e culturais da vista sobre Lisboa começaram a ser mais valorizados. Qualquer bairro de Lisboa tem paisagens, para todos os gostos, mas a vista desafogada tem mais impacto. Hoje em dia é cada vez mais tido em conta o chamado direito à cidade e, dentro dele, o direito à paisagem. Lisboa tem imenso potencial que ainda não está totalmente cumprido, mas não nos podemos de todo queixar", diz João Seixas.
O geógrafo refuta mesmo que a cidade não esteja a ser construída a olhar para o rio: "É o que se fala, mas estamos cheios de mitos urbanos. Aconteceu, mas está a mudar. O Parque das Nações é um excelente exemplo. Daquele lado voltou-se positivamente para o rio". 

NOTAS
AZULEJO
De 1700, o painel ‘A Grande Vista de Lisboa’ representa a cidade antes do sismo, desde Algés até Xabregas. 

BELÉM
No século XVI, os nobres ergueram palácios em Belém para verem as caravelas. Hoje um T2 com vista vale 500 mil euros.

Fonte:  CM / Isabel Faria

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